terça-feira, 22 de maio de 2012

Paulo Nubloso (Faz como Pandora – abre o frasco e evapora)


Quantos anos queres viver?
Para sempre. 
INSENSATO – a terra reclama o que lhe pertence. Não queiras quebrar o ciclo. Consumiste o que ela te deu ao longo de tanto tempo, banqueteaste-te até fartares, deixa que no fim te consumam. Egoísta capitalista mergulha nas profundezas da cova, rasteja para o umbigo da terra (o ninho das origens) e deixa-te ficar quietinho, a hora da mudança há-de chegar. Deixa que as raízes esfomeadas te devorem e recicla-te num fungo ou numa erva tenrinha. Fica satisfeito por saciares a fome a tantas vidas. 
Não, deixa-me escolher. Podemos negociar. O que queres?  Aprende a perder. Aceita o que vier. Baixa a crista, baixa a proa. O fim é humilde. Como o princípio. Simples. Equilíbrio. Mas se queres escolher, escolhe – Vida acelerada e intensa ou Vida longa e lenta. As duas são paralelas, como tudo no mundo, consequências. Escolhe uma de duas, sem hesitações, devoluções. Sabes que no fim todos somos substituídos. É a ordem. Quero durar, muito. Como queiras. Vais viver duas vidas numa só – a juventude atravessada por duas gerações. Alcançares este desafio é simples, basta que te feches num frasco de conserva e não respires o ar da rua.  Seja lá o que isso for, aceito.  Fora de brincadeiras, acho que a vida que tenho me foi encomendada. Há muita coincidência. Tudo se encaixa, por fim. Apaguei da memória a minha primeira juventude. E agora tento viver a segunda, retardada.
Nunca me revi na geração de 80, mas o pior é que na de 90 muito menos. Afinal a que geração pertenço? Os tempos de escola calejaram-me a vida. Fui forçado a conviver com quem não queria (professores e otários). Tentei esquivar-me da adolescência, mas a puta dessa carraça andava sempre a zombar-me ao ouvido «caroxo, paneleiro, monte de merda». Quis passar despercebido, mas era em mim que ela gostava de carregar. Aos 15 já queria ter 30. Achava que por essa altura iria viver bem. Foi um mau palpite. Hoje tenho 30, mas é como se tivesse 15. Continuo a fazer as mesmas coisas que sempre fiz. Estudo, recebo mesada, continuo solteiro, com as mesmas dúvidas, sem saber o que fazer ou para onde ir. Continuo a preferir a minha própria companhia à dos outros.
E adoro enfiar-me na cama, remoer-me em ideias, fazer de maluco, falar e barafustar contra isto e aquilo (porque aqui ninguém me ouve). Masturbar-me, para aliviar-me da revolta recalcada, e morrer de espasmos. Se pudesse, hibernava como um urso. E acordaria quando chegasse a primavera, o salmão e o cio. Tempos que valessem mesmo a pena serem vividos.  Passei toda a minha vida a estudar, a preparar o futuro (que aparentemente chegaria aos 30) e, afinal, terei de esperar mais tempo, letárgico, congelar a juventude para vivê-la na próxima geração. Parece que o Inverno vai durar e as noites longas também.   Para todos os que andam em linha recta a primavera chegou mais cedo. Cumpriram rápido o seu desígnio, cruzando genes, vírus e por vezes chatos.  Cumpriram o propósito da natureza: deram origem à próxima geração. Resta-lhes envelhecer e recordar. Por fim, são arrumados em caixas. E eu, o que vou recordar?
Faz como Pandora – abre o frasco e evapora.

ACASALADOS
(Pancadinhas d’Amor)

Vem girar à minha volta como o Sol em volta da Terra.
Despe o avental enquanto lavas a louça.
Desliza a alça do vestido enquanto o passas a ferro.
Vem dar-me o teu leite à cama.
Relaxa, eu engulo sem mastigar.
Põe-te de cocras e limpa os salpicos
junto à sanita.
Deixa-te ficar nessa posição enquanto me barbeio.
Vês o mal que me fazes? Distrais-me e sulco a cara
em sangue. Diz que gostas dos meus cortes,
serrotes, murros e pontapés.
Que estas cicatrizes
te fazem estremecer
a peida e deslocar
o útero. És virgem e pares
sapos pretos
NARCISO MURXO
Cala-te por um minuto que seja.
Farto de te ouvir. As tuas palavras metem-me nojo, sempre a zunir à minha beira… Não vês que me estou a marimbar para as tuas tretas e façanhas medievais?
Foste perfeito na devida altura, agora és prefeito pretérito.
Não insistas em aparecer.
Secas-me as veias do cérebro praguejando gafanhotos e gazes podres. Monopolizas as conversas em teu redor.
És um frete que tenho de gramar.
O desespero é meu conselheiro, foi ele que me levou para junto de ti.
Tenho uma dívida a cumprir. Mas creio que falta pouco.
Não confundas gestos sem intenções. Se te trato bem não é porque te estime, mas porque preciso de sustento. Entendes tudo mal. Achas que te admiro?
Narciso, meu velho, só terás lucidez quando te reflectires nas águas do rio (e vires a tua imagem). Se isso não bastar, atira-te na corrente e rebobina-te (de jusante até montante).
É uma viagem lixada, que te vai erodir e encolher (o Ego).
Quando chegares ao início da linha (de água), no cimo da montanha, avisa-me. Acende uma fogueira, faz sinais de fumo ou acena com os braços.
Se não te for buscar, entretém-te a gritar. E escuta o eco repetir sem exaustão as tuas palavras. Como tanto gostas…(Não aprendeste nada, continuas o mesmo burro de sempre) 

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